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Não sabemos o que somos e sim o que NÃO somos! Não somos uma organização não governamental sem fins e muito menos com fins lucrativos (ONGs); Não somos um INSTITUTO; Não somos uma INSTITUIÇÃO nem pertencemos a uma; Não somos de CONSELHOS nem representamos segmentos. Não defendemos bandeiras PARTIDÁRIAS. Sendo assim, somos ILEGÍTIMOS aos olhos dos Poderes Constituídos!

Diálogos, História, Censo, Teleton e MacDiaFeliz





 Por Amilcar Zanelatto        







“Professor, se eu tivesse nascido na Roma Antiga, mesmo livre, seria considerado Pessoa?”

“Boa pergunta. Provavelmente não. Por que esta pergunta?”

“Porque estou pesquisando a origem do preconceito a pessoa com deficiência. Acredito que seja de origem estética. Há um padrão de forma humana: o que difere do padrão não é bem quisto...”

“Não creio que a origem (do preconceito) seja estética. Já parou para pensar que pessoas com deficiência sejam historicamente consideradas inúteis à sociedade? O Direito define relações, conforme o contexto histórico da sociedade. Procure entender o comportamento social frente à deficiência e compreenderá a relação do Direito. Acredito que este seja o caminho. Pesquise isto: qual o valor da pessoa com deficiência para sociedade?

“A sociedade exterminava pessoas com deficiência, Professor. Até os gregos, considerados o berço da civilização ocidental...”

“Sim, mas até um deus com deficiência eles tiveram, não?”


“Mas não foi Homero quem criou Hefesto? (Hefesto, o ferreiro divino, o que forjou armas a Aquiles, a pedido de Tétis. Seguindo os parâmetros da mitologia, Hefesto ao nascer é rejeitado pela mãe Hera por ter uma das pernas atrofiadas. Zeus, em sua ira, o atira fora do Olimpo. Em Lemnos, na Terra entre os homens, Hefesto compensou sua deficiência física e mostrou suas altas habilidades em metalurgia e artes manuais. Casou-se com Afrodite (Amor) e Atena (Sabedoria)).

“E Heródoto criou a História. Pela História acredito que encontrará sua resposta. Não é pela Estética ou o Direito. Pela História”.


Este diálogo (o que me recordo dele) travei com o Professor Doutor Del Nero, no corredor da Faculdade de Direito de São Bernardo, em 1996, após uma aula de Direito Romano sobre a definição jurídica de Pessoa. Neste dia o abordei porque ele dissera que, para os romanos, na antiguidade, uma pessoa nascida com deficiência era fruto de coitum cum besta, ou seja, fruto da conjunção carnal da mulher com um animal não humano.

Decidi seguir o conselho de Del Nero e busquei na pesquisa histórica minha resposta. Evoquei Mnemosine , que então se tornara minha deusa predileta. Redigi o seguinte texto:

Sobre a Pessoa com Deficiência.

Ao tratarmos da questão da deficiência, hodiernamente, não podemos deixar de verificar o comportamento da sociedade humana frente à pessoa com deficiência ao longo da História.

A sobrevivência dos primeiros agrupamentos humanos era garantida pela caça, em ambiente hostil. Os membros dessas tribos que porventura nascessem ou adquirissem algum tipo de deficiência eram imediatamente executados ou abandonados à própria sorte.

Com o advento do sentido de propriedade (latente ou inerente?), e a consequente fixação do ser humano em território demarcado; com o domínio das primeiras técnicas agrícolas, a condição para a sobrevivência era o de “pegar em armas”, para defesa territorial, e a habilidade física para manipulação de ferramentas agrícolas. Pessoas com deficiência, perante tais circunstâncias, eram abandonadas.

As civilizações Inca e Grega – mormente em Esparta – também executavam as pessoas que viessem ao mundo com algum tipo de deficiência: a primeira punia com a morte seus membros julgados e condenados por “ociosidade” e, assim, por presunção, a pessoa com deficiência era considerada “inútil” ao corpo social; a segunda, pela idealização da “perfeição” física e expansão e defesa territorial também considerava seus membros com deficiência incapazes para o convívio social, os eliminando.

No Império Romano, era admitido ao pai executar crianças com deficiência por afogamento. Sabe-se que o Direito romano não a reconhecia como cidadã romana, mesmo nascida livre. A pessoa nascida com qualquer deformação era considerada “monstrum”, fruto de “coitum cum besta”, ou seja, fruto da conjunção carnal da mulher com um animal!!

Da execução sumária, a sociedade “evolui”, passando, por influência do conceito de caridade difundida pela tradição judaico-cristã, a “asilar” as pessoas com deficiência: surgem então as primeiras organizações chamadas “assistenciais”. Na lógica destas instituições, a pessoa com deficiência deve receber tratamento “especial”: em local “apropriado” e apenas na companhia de seus pares. Da execução sumária – não nos esqueçamos do massacre de pessoas com deficiência promovida pelo regime nazi-fascista - ao asilo, hoje a pessoa com deficiência luta para que a sociedade dê outro passo: o passo da inclusão.

Para tanto, é necessário que a sociedade compreenda as etapas que deve transpor para atingir tal fim: o reconhecimento, a interação, a inclusão e, por fim, a assimilação. Quando a sociedade reconhece a existência da pessoa com deficiência, retira de seu imaginário a adjetivação de incapacidade, de incompetência para o convívio social. Nasce daí uma nova consciência, uma nova atitude: a de que a pessoa com deficiência é apenas diferente, principalmente em sua relação com o mundo objetivo, mundo este construído e conduzido por não-deficientes.

Transposta esta etapa, a sociedade considerará a necessidade de interagir com ela, pessoa com deficiência, compreendendo que suas “limitações” se dão por circunstância, por característica física, cognitiva ou sensorial própria, “limitação” esta imposta pelo meio. 

Para nós, a inclusão está a etapa mais difícil para a sociedade não-deficiente transpor, haja vista a resistência em nos considerarem protagonistas de nossa história e a consequente dificuldade de entender as barreiras que nos impõem, fruto da não-transposição das etapas anteriores: a barreira arquitetônica, a atitudinal, a comunicacional, a instrumental, a metodológica e a programática.

A assimilação dar-se-á quando passarmos a estabelecer um diálogo, apresentando a todas e todos nosso universo; quando compreenderem que temos a autoridade – pela vivência – de os educar para uma convivência harmoniosa e autônoma. Estamos dispostos a recebê-los em nossa casa. Mas, por favor, tirem os sapatos.”

Guardei este texto por dez anos e o publiquei numa comunidade do orkut, em 2006.
Percebi que necessitava de dados não apenas históricos para compreender a relação da sociedade com a questão da deficiência: necessitava também de dados numéricos, estatísticos.

Busquei, então, a fonte de dados: o IBGE.

Próxima postagem: Censo


3 comentários:

  1. Esclarecedor este texto. Estamos no aguardo da continuação.

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  2. Homero (VII a.C.), pelos relatos, era cego! O mais famoso dos poetas gregos.

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  3. Perfeito! Tenho certeza que muitas pessoas com deficiência não conhecem a origem do preconceito. Um ótimo texto para reflexão!

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